Drummond...



Para você ganhar belíssimo Ano Novo,
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz.


Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido.

Para você ganhar um ano,
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser.
Novo, até no coração das coisas menos percebidas;
Novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se ama, se compreende, se trabalha.


Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta;
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas;
Nem acreditar que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade.

Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome,
você, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo.

Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre..
(Carlos Drummond de Andrade)

Para pensar.

A cada dia que vivo mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que
nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade".

(Carlos Drummond de Andrade)

Além da Terra, Além do Céu.

Além da terra, além do céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

(Carlos Drummond de Andrade)

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

(Carlos Drummond de Andrade)

Ainda que mal
Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.

(Carlos Drummond de Andrade)

Sob o chuveiro amar

Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,
ou na banheira amar, de água vestidos,
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir, água nos olhos, bocas,
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo -- é água, esperma,
é amor se esvaindo, ou nos tornamos fontes?

(Carlos Drummond de Andrade)

Clarice...

"Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão
no meio de outros."

(Clarice Lispector)